O anúncio ontem da venda do Weblog.com.pt ao portal aeiou.pt assinala uma nova etapa na evolução do primeiro e mais reconhecido serviço português de alojamento de blogs. A mudança de mãos da plataforma também constitui um marco pessoal para o seu fundador e único responsável. Em comunicado, publicado na plataforma, Paulo Querido explicou que a venda ao aeiou.pt garante ao serviço “a estrutura profissional que faltava”, numa altura em que a sua capacidade de resposta se tornara insuficiente face às exigências de uma comunidade com mais de dois mil utilizadores e a crescer.
Sobre o futuro, Paulo Querido deposita confiança na capacidade da AEIOU para “fidelizar comunidades respeitando-as”, e para manter o espírito comunitário do Weblog.com.pt. “Nunca me passou pela cabeça vender o weblog.com.pt a empresa na qual não confiasse”, garante.
Há algumas semanas, tive a oportunidade de realizar uma entrevista por escrito a Paulo Querido, sobre a sua experiência pessoal enquanto fundador e administrador do Weblog.com.pt, e outros projectos pelos quais é o único responsável, como a Blogopédia, uma enciclopédia sobre blogs e autores portugueses, e o Do Melhor, uma versão portuguesa do Digg.com, um sítio que agrega notícias e conteúdos com base na votação dos seus utilizadores, e no qual Querido diz ver uma nova forma de jornalismo social.
É essa entrevista, realizada antes da venda do Weblog.com.pt, que publicamos hoje no Posto de Escuta, depois do salto.
Entrevista
Pedro Neves: Começando pelo início, como é que surgiu a ideia de criar o Weblog.com.pt?
Paulo Querido: Não foi exactamente uma ideia que surgiu, não no sentido em que nascem os projectos a partir de uma ideia. Em 2003 aceitei escrever um livro sobre blogs (publicado pelo Centro Atlântico), a meias com o meu amigo Luís Ene, que é o grande responsável por eu ter aderido à blogosfera. Para preparar o livro, instalei um editor de blogs, para ver como funcionava. Registei um domínio a pensar em ter lá o meu blog e os dos amigos, que estavam num domínio pouco conveniente. O weblog.com.pt nasceu desta forma despretensiosa, não foi pensado nem projectado de início como um alojamento profissional.
PN: Implementou a ideia e inaugurou o Weblog.com.pt em 10 de Junho de 2003. A data pode ter sido uma feliz coincidência, mas desde o início tem enfatizado o carácter nacional do portal. Qual é a importância de ter uma plataforma de blogs portuguesa, dada a natureza individualista de cada blog?
PQ: A data tem algo de especial, sim. Corresponde a um período da minha vida em que, por terapia, trabalhava 15 horas de domingo a segunda, feriados incluídos: no dia 5 de Junho separei-me (isto faz parte da história oficial do weblog.com.pt, mas nunca fora contado) e durante esse tempo mais não fiz do que trabalhar no código. No dia 10 abri o serviço porque foi nesse dia que o último "script" ficou pronto. Colei-me ao carácter nacional aproveitando a data mas somente com o intuito de relevar dois aspectos: a existência de uma alternativa em Português (o Blogger na altura não tinha o editor traduzido) e em Portugal, e o tráfego conta como nacional.
PN: Quão difícil foi criar de raiz um serviço de alojamento? Quais foram as principais “dores de crescimento” do portal?
PQ: As questões editoriais quase não se colocaram. Nestes quase três anos de vida fui obrigado a apagar um único blog, que violou as regras exibindo pornografia "hardcore" com anúncios a comércio sexual (tendo eu inclusive devolvido o dinheiro da trimestralidade). Já tive contactos com a investigação judicial em duas ocasiões por causa dos conteúdos de dois blogs diferentes, não sei em que pé estão as investigações nem se há ou não matéria criminal. Tive um amigo e um familiar que ajudaram na animação da plataforma no início – aliás, entendo que sucesso do weblog.com.pt, que é hoje um local de eleição (por alguma razão as pessoas pagam para ter lá blogs, quando os podem ter grátis lá e noutros locais), se deve em grande parte ao carinho do Luís Ene e da minha irmã Guida.
As questões técnicas foram para mim fonte de alegria e prazer, e também de alguma tensão. Resolvê-las deu-me alento, fez-me aprender, recolhi um invejável traquejo sobre os bastidores da tecnologia que têm um impacto directo na minha actividade profissional: como jornalista estou melhor preparado para as temáticas que envolvem as tecnologias e informação – diria que estou razoavelmente preparado para enfrentar qualquer desafio jornalístico (e não só) que me coloquem nesta área.
PN: Em retrospectiva, tinha noção do investimento pessoal que teria de fazer?
PQ: É certo que sou temerário e aventureiro no sentido de abraçar projectos ousados (tenho um longo passado), mas mesmo assim se tivesse um vislumbre do que me esperava, duvido que me tivesse metido nisto. Não estou arrependido, porque não sou pessoa de chorar sobre leite derramado – mas é evidente que perdi mais do que ganhei. Além de inimigos, ganhei apenas gozo pessoal. A admiração de alguns pelo meu esforço merece aqui ser ressalvada: estou-lhe muito grato e permitiram-me superar momentos particularmente difíceis. Mas não alimento ilusões.
PN: Até que ponto é que a plataforma depende do Paulo Querido? Já teve alguma oferta de “aquisição” ou compra do Weblog.com.pt?
PQ: A dependência já foi total, hoje é-o menos. A "máquina" pode continuar sem mim, basta que eu passe o testemunho e o mapa. Tarefa de uma semana e meia dúzia de reuniões.
Em finais de 2003 tive uma proposta de fusão. O weblog.com.pt teria acabado como marca e eu ficava com uma avença mensal para aturar bandos de crianças com LOLs e demais gatafunharia. Estive mesmo mesmo a aceitar, mas a tempo recuperei a lucidez e emendei a mão.
PN: Como é que um jornalista faz a transição entre observador não-participante e figura incontornável da blogosfera? Debateu-se com essa questão?
PQ: A questão é uma falsa questão por uma razão simples: eu não sou um figura incontornável da blogosfera, isso é um mito. O meu blog nunca foi citado na Imprensa e não faz parte do top 25 do Blogómetro ou do Technorati. Figura incontornável da blogosfera foi o Pipi, foi Pacheco Pereira e hoje não consigo nomear nenhum. Provavelmente já não há – o que, na minha modesta opinião, é saudável, diria mesmo óptimo.
Esta é a primeira vez que me entrevistam por causa dos meus putativos dotes como "blogger". Fui entrevistado recentemente, mas por dois livros que escrevi. As demais intervenções nada têm a ver com a "figura incontornável", mas com o jornalista especializado.
Mas é verdade que sou um empreendedor e até certo ponto activista, pois desenvolvi vários empreendimentos na Internet, alguns ligados ao jornalismo e outros não, acarinho outros sem dar a cara.
Não é novidade para mim, nem sou o primeiro jornalista que é observador e agente em determinados campos. Calculo que tenha sido muito mais difícil para camaradas meus ligados a partidos políticos, amigos de dirigentes de marcas de automóveis, ou familiares de ministros e gente das principais empresas. Para esses, sim, é difícil. Para mim, não. E há um código deontológico que nos ajuda.
PN: Que opinião tem acerca do seu papel no desenvolvimento da blogosfera portuguesa?
PQ: Até ontem eu responderia ter uma única certeza, a de que não ficarei por aqui. Hoje, já não sei. A vida é muito contingente. Talvez não volte a fazer nada "online". Talvez me dedique em exclusivo à escrita. Talvez prefira voltar a ter tempos livres.
Quanto à minha opinião sobre o meu papel, é fraca: fiz pouco onde podia ter feito muito mais e melhor.
PN: Relativamente à Blogopédia, será que faz falta uma enciclopédia sobre os blogs portugueses e os autores que os assinam? Sente que existe relutância por parte da maioria dos autores em prescindir do anonimato?
PQ: Pessoalmente, penso que faz. A blogosfera precisa de instrumentos que permitam credibilizar os seus membros. Não é por acaso que os citados pela Imprensa são sempre os mesmos: é porque são os conhecidos, os que têm um currículo. Mas a comunidade parece ter um entendimento diferente do meu.
O anonimato é uma falsa questão e tem sido instrumentalizada por autores tidos por responsáveis. O direito ao anonimato em nada colide com o direito ao bom nome ou ao mero conhecimento informativo.
PN: O Paulo anunciou a chegada do DoMelhor como a chegada do jornalismo participativo português. Em que sentido é que a selecção de artigos ou ligações de interesse por um grupo de pessoas é jornalismo?
PQ: Num sentido restrito. Quando opinamos sobre a vida pública, quando tomamos uma posição política, estamos a ser políticos? Não o somos, temos é uma acção que faz parte da política. Da mesma forma, seleccionar notícias é uma das acções praticadas por um jornalista, que tem diversas "tesouras", ou crivos, à sua disposição para dirigir a escolha; um grupo de pessoas relativamente heterogéneo é uma "tesoura" no mínimo curiosa e, embora nenhuma das pessoas seja jornalista por via dessa escolha, o resultado da acção colectiva é ainda assim uma acção jornalística. Até no sentido em que intermedeia a realidade - na essência o jornalismo é uma intermediação entre o público e a realidade.
Apesar disto reconheço que talvez se usem com excesso de entusiasmo expressões como "citizen journalism" e jornalismo participativo, nem sempre aplicáveis ao que se está a descrever. Enfim, a rapidez a que tudo se processa nos tempos que correm é grande inimiga de acertos nas etiquetas.
PN: Em termos pessoais e profissionais, o que é que considera que ganhou nestes últimos dois anos com o Weblog.com.pt?
PQ: Em termos pessoais, um esgotamento. Hoje mal posso ler um blog. Em termos profissionais, uma maior capacidade de discernir o que aí vem e de avaliar o que estamos a produzir, hoje, na sociedade em rede. Sei responder com teoria, números, factos e aferições a pertinentes questões: quem dá e quem tira na blogosfera, as audiências da blogosfera, qual o impacto individual de cada blog, as idiossincrasias dos autores, as razões dos autores e, "last but not the least", quanto vale a blogosfera (e sim, estou a falar de dinheiro). Estas informações não estão no Google nem no Technorati nem no Blogpulse – nem nos três somados. Mas são importantes. Profissionalmente, sei as respostas. Foi o que ganhei.
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