4 de maio de 2006

Entrevista a Isabel Tilly

A sua primeira citação neste blog data de Agosto de 2003, e é um daqueles (poucos) blogs em que tenho de refrear a vontade de citar ou destacar cada nova entrada. É um blog despojado, intermitente, reservado, complicado e raro. Num registo despretensioso, Isabel Tilly (psicóloga, 35 anos) oferece uma reflexão sincera e desapaixonada sobre as pequenas e grandes coisas do seu dia-a-dia, as tensões da vida na cidade, as exigências do trabalho e a experiência de criar uma família. Os "acontecimentos significativos" do dia-a-dia de Isabel Tilly ganham, de algum modo, um significado mais lato e especial para quem, como eu, acompanha o Monólogo.
Para minha grande satisfação, a Isabel acedeu há alguns meses a uma breve entrevista por escrito sobre a motivação e a
experiência de escrever um blog como o Monólogo. É essa entrevista que temos o prazer e a honra de publicar hoje no Posto de Escuta, depois do habitual salto.



Como é que entrou em contacto com a blogosfera?
Foi através do blog da Rosa Pomar. Aliás, ainda hoje, o blog da Rosa continua a ser o meu predilecto e o primeiro que procuro no dia a dia. Ao início (em meados de 2002) fiquei fascinada com o tipo de registo: a cronologia das entradas, as fotos, os links, a possibilidade de alterar o template, os arquivos, gostei de tudo.

A ideia de escrever um blog surgiu espontaneamente ou foi algo que amadureceu à medida que ia lendo/conhecendo mais blogs?
Foi num impulso. Fui à página do blogger e preenchi os campos, isto em 2002. O “monólogo” surgiu depois (2003) quando já dominava as ferramentas básicas para mexer no template e podia dar-lhe um aspecto que eu achava que tinha mais a ver comigo. O carácter do blog foi sempre o mesmo, isto é, um diário pessoal...

A descrição do Monólogo resume a essência do blog, mas falta saber o porquê. Por que razão (ou razões) decidiu assinalar «os acontecimentos significativos do [seu] dia a dia»?

Pode achar estranho mas foi pela organização. Eu sempre tive diários, cadernos, apontamentos variados sobre coisas que eu achava importantes no dia a dia, só que como sou muito desorganizada tenho tudo disperso e mal organizado. Ora no blog, eu não preciso preocupar-me com isso, fica lá tudo, nos arquivos (e de vez em quando faço uns pdf’s que se me apetecer poderei imprimir). Claro que esta necessidade de organizar tem a ver com a memória, que é uma coisa que está sempre presente, isto de organizar a memória (dos dias).


E porquê num blogue, isto é, em público? Referiu várias vezes que não sabia muito bem a razão para o ter tornado público. Já descobriu a resposta?
Acho que é o fascínio pelo resultado. Gosto genuinamente de abrir o browser e ir ao meu cantinho. As reticências que muitas vezes me coloquei sobre o porquê de ser público ou sobre as impressões que posso causar a quem me visita (já me chamaram exibicionista e outras coisas que detestei) tem mais a ver com a ideia que a exposição de emoções e vivências pessoais (do quotidiano) são uma coisa que inferioriza. Se analisar outros blogs, blogs que se tornaram influentes seja no campo politico ou na análise de assuntos “sérios”, raramente há referências a emoções ou afectividades. Ora, desde o início do blog, que tenho fases em que essa distinção me incomoda. Se um amigo me diz “não te devias expor assim” fico incomodada. Noutras fases, perceber que criei algumas (poucas) cumplicidades (amizades mesmo), dá-me um enorme prazer e esqueço as reticências...


Que influência é que o facto de ser público tem na sua escrita (ao saber que existe uma audiência que permanece invisível)?
O que acontece é que sendo um diário público não é um diário intimo. Há assuntos que, por ser como sou, jamais falarei.
Do meu trabalho, por exemplo, porque há a questão da ética profissional a que me sinto obrigada, também não falo.
Não sei bem como mas, implicitamente, defini para mim o que pode ser visível, um gatekeeping, que tem muito a ver com aquilo que eu considero dizível ou indizível.


Confessional, intimista, pessoal, … Se a cada um destes (ou outros) adjectivos corresponder um grau de exposição, de que maneira classificaria o Monólogo?
Pessoal, às vezes quase confessional, muito dependente do meu estado de espírito, como aconteceu recentemente em que, às tantas, senti necessidade de falar (esqueço-me que é escrever) sobre a morte do meu pai.

Quem são os destinatários do Monólogo? Uma característica distinta do Monólogo é que se refere a outras pessoas indirectamente, sempre por iniciais e por fotografias onde não é visível o rosto. É um mecanismo de salvaguarda, mas também não será que a Isabel elegeu como principais referentes/destinatários do Monólogo as pessoas que a rodeiam, e que saberão melhor que ninguém preencher esses “espaços em branco” (como peças em falta num puzzle)?
Acho que quem preenche os espaços em branco sou eu própria. E aí vem novamente a minha fixação na memória. Muitas entradas (ou posts) são pistas. O que lá está não interessa, são atalhos muito simples que remetem para coisas que são importantes para mim (não vou dar exemplos). As iniciais são quase sempre dos meus filhos ou do meu marido. Cá por casa ligam pouco ao blog, vêem-no como o passatempo da mãe. A minha filha, (tem 10 anos) pede-me (às vezes) para ver o blog porque coloco muitos desenhos ou fotos tiradas por ela.
As pessoas que me visitam, algumas será por cumplicidade, a maioria vem ao engano...por causa do google que aponta tudo o que seja pesquisa em “monologo” para o blog.

No Monólogo, o que é um “acontecimento significativo”?
É aquele que é significativo para mim. Falei de uma reunião de pais numa entrada (ou post) recente, pode não parecer importante, mas se o referi foi porque lhe atribuo importância. Mais significado do que transparece na entrada, como o egocentrismo do professor, ou a sua inabilidade em conduzir a reunião, ou o desespero e acanhamento dos pais cujos filhos têm 5 ou 6 negativas, ou a sensação que é estar sentada no sítio onde a minha filha se senta e a leve memória do tempo em que eu me sentava num sítio parecido, etc, Naquele dia, ir à reunião de pais foi, de facto, um acontecimento marcante.

“A Isabel do Monólogo usa um blogue como uma espécie de MyLifeBits”, disse José Pacheco Pereira, no Abrupto. Concorda com a analogia feita ao MyLifeBits?

Acho que o JPP tem muita curiosidade intelectual acerca do que é este “meio”. Tudo na nossa vida parece ser passível de ser registado digitalmente e interligado formando um grande filme contínuo da vida aberto aos outros, o que é uma perspectiva tão nova como assustadora. Talvez o meu blog tenha parecido a JPP um embrião do que aí vem. E há questão da memória, de que falei algumas vezes no blog e que me parece está na génese do mylifebits.

Como é que encara e reage ao interesse de outros pelo seu monólogo, com surpresa, estranheza, apreensão…?

Como reajo ao interesse dos outros? É difícil responder. Com o tempo conheci pessoas, ou melhor, blogs de pessoas de quem gosto muito e cujo feedback encaro como cumplicidades semelhantes às que os amigos nos dão. É o caso da Fer e da Alê. Outros feedbacks são mais complicados. Por exemplo quando alguém de Seia (onde cresci) me diz que leu o meu blog não consigo deixar de me sentir alguma estranheza. Fico sempre a pensar “mas leu o quê? percepcionou o quê?”. Acho que não me libertei completamente da ideia que a exposição de vivências pessoais inferioriza. E se isso não é um problema com os desconhecidos, com os conhecidos afecta, mas só ligeiramente... Com os desconhecidos incomodam-me enviesamentos grosseiros na leitura. Se um desconhecido comenta que devo ser uma pessoa muito solitária, obviamente não gosto, acho que não tem razão, mas francamente também não me apetece responder-lhe.

E hoje, continua a sentir que manter um blog é um exercício “problemático” de escrita/partilha, ou com o tempo foi criando defesas?
Muito pouco problemático. Se tenho tempo e vontade actualizo, se não tenho, actualizo uns dias depois. Mas criei algumas resistências, como lhe chama, que definiram aquilo que eu acho dizível. Por exemplo, se estou a ouvir uma canção na rádio que me irrita por ser tão básica (nem no meu tempo dos escuteiros havia canções tão simplórias), podia ir ao blog dizer que odeio esta canção e que acho que quem ouve isto é surdo. Não vou. São gostos e francamente falar de gostos não me interessa nada.


“Os blogues não são um canal para a mediatização; são apenas o nosso monólogo interno que o resto do mundo pode ouvir; uma subscrição para o fio da consciência de cada um.” É uma frase recente do autor do blog “Barriga de um arquitecto”. Até que ponto se reconhece nesta frase? Seria esta uma possível forma de “explicar” o atractivo de fazer um blogue?
Incrível essa frase...é de facto isso.



Pedro Neves

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